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segunda-feira, janeiro 16, 2012

A EXPERIÊNCIA - CAPÍTULO #10.5

Em que temos a chocante revelação de que Valdeci virou um emo

(No sofá estão sentadas três crianças: Tommy, de 10 anos; Penny, de 9 anos; Edilamar - um garoto - de 7 anos. Os três parecem estar em estado de animação suspensa, olhando como hipnotizados para uma garota de cabelos rosa-choque berrantes na TV à sua frente. Um homem e uma mulher de jaleco observam a cena em um monitor)
SCIENCE GUY - Precisamos aumentar em 7,5% o brilho e a saturação da tinta de cabelo de Marimoon. Objeto de Estudo Gama está piscando os olhos.
SCIENCE LADY - Hmmm?
SCIENCE GUY - Eu disse: precisamos aumentar em 7,5% o brilho--
SCIENCE LADY - Desculpa, mas por acaso meu gemido o fez pensar que a sua última frase terá algum mísero significado para a minha existência? Eu só estava sendo educada.
SCIENCE GUY - ...
(Science Lady dá um longo suspiro)
SCIENCE LADY - Desculpe, eu não quis ser mal educada. É que...
SCIENCE GUY - Tá, tá, tá bom. Isso é difícil pra mim também, sabia? Já é ruim o suficiente sem ter que aguentar sua TPM.
(Em silêncio os dois voltam ao trabalho. Alguns minutos depois, quando Timmy e Jenny chegam ao laboratório, a nuvem de mau humor se dissipa, apenas para ser substituída por um furacão de terror e ansiedade)
SCIENCE PEOPLE - C-Chefe!
TIMMY - Relatório. Agora.
(O homem se levanta com um sobressalto. A mulher parece se comprimir com cada vez mais força contra sua cadeira)
SCIENCE GUY - S-s-sim! O... quer dizer, a... a... a...
SCIENCE LADY - Precisamosaumentaremseteemeioporcentoobrilhoeass--
SCIENCE GUY - ...saturação da tinta de cabelo da Marimoon! Objeto de estudo Gama--
TIMMY - Onde está o gráfico de oscilação da voltagem dos eletrodos?
(A mulher entrega uma prancheta para Timmy, que agora também está vestido com um jaleco. Jenny se aproxima para olhar melhor o conteúdo dos papéis)
TIMMY - Mesma coisa. Quarta semana consecutiva sem nenhuma mudança.
(O casal se entreolha com apreensão)
SCIENCE LADY - Chefe, vai ser muito difícil recriar as condições do primeiro experimento. Talvez--
(Timmy retira casualmente uma caneta do bolso e comprime o botão em sua extremidade. Os dois pesquisadores imediatamente começam a tremer violentamente, despencando de seus assentos e assumindo posturas bizarras no chão do laboratório)
TIMMY - O que é que falta fazer? Já aumentamos em 47% a exposição a textos com erros ortográficos tirados da internet...
JENNY - A concentração de anúncios de serviços via mensagens SMS também nunca foi tão alta como agora.
TIMMY - Você ouviu a porta do elevador?
(A porta do laboratório se escancara subitamente. No corredor surge um adolescente por volta dos 13 anos de idade. Uma espessa camada de base em seu rosto tenta realizar a dupla tarefa de amenizar a acne a as assimetrias de sua face pós-púbere. Seus olhos são acentuados por grossas linhas de rímel; há um borrão em volta da pálpebra esquerda, que não pode ser percebido pois todo o olho esquerdo está encoberto por uma longa e lisa franja unilateral, com luzes de cor verde fosforescente. O restante do cabelo é curto e preto, com raízes castanhas. O rapaz está vestido com calças jeans e um top preto, deixando seu umbigo à mostra. A camisa parece ser estampada com uma ilustração de quatro zumbis deformados, identificados com as letras "NX ZERO". Suas unhas foram cuidadosamente pintadas para ficar com a coloração de esmalte preto roído. Ele entra e senta-se ruidosamente no sofá, com os braços cruzados, e dá um suspiro amplo e silencioso)
TIMMY E JENNY - ...
(O adolescente olha para os demais. Depois dá outro suspiro e parece prestes a chorar)
VALDECI - Nada nunca dá certo pra mim. Não espero que vocês entendam, claro.
TIMMY - Jenny, acho que para o próximo passo realmente vamos precisar de ondas subliminares de baixa freqüência.
VALDECI - Ninguém nem tenta me entender. Todo mundo preocupado com seus problemas idiotas e mundanos, nem ligam pra dor que eu estou sentindo.
JENNY - Eu continuo achando que nossa abordagem tem que ser mais direta; só porque o Professor era contra o uso de injeções não quer dizer que a gente precisa fazer o mesmo.
(Valdeci chora copiosamente)
TIMMY - Mas nada garante que isso vá acelerar o andamento da experiência; muito pelo contrário--
VALDECI - VOCÊS SÓ QUEREM ME USAR! Vocês fazem idéia do peso, do fardo que eu estou carregando? NÃO!!! Mas não tem problema, por que no final vocês vão se arrepender, vocês vão sentir a MESMA DOR que eu estou sentindo!!!
(Valdeci bate dramaticamente a porta ao sair do laboratório)
TIMMY - ...
JENNY - Sabe Timmy... será que vale a pena mesmo?
TIMMY - O que vale a pena?
JENNY - Isso. Isso tudo que estamos fazendo. Aquelas crianças...
TIMMY - Jenny, você leu o diário do professor. Você tem visto o que está acontecendo nas ruas. Alguém precisa se preparar para o que está por vir. Dadas as circunstâncias nós somos os únicos que ainda podem fazer algo. Certo?
(Jenny desvia o olhar por alguns momentos. O casal de cientistas ainda convulsiona no chão; parece que Timmy se esqueceu de desligar o botão da caneta)
JENNY - Eu só acho que... às vezes você precisa de um descanso. Só isso.
(Jenny dá as costas para Timmy. Ele pára um momento para pensar no que acabou de dizer. Não tinha sido completamente sincero com Jenny. A verdadeira razão pela qual reativou a Experiência; aquela tarde, entre as nuvens, em meio ao céu azul, quando tudo parecia perfeito. Ele iria recuperar aquela sensação, custe o que custasse)


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Leia todos os capítulos em http://a-experiencia.blogspot.com
A EXPERIÊNCIA - CÁPITULO #10

No qual descobrimos o que as crianças, agora crescidas, andaram fazendo após exterminar o exército de clones do Rafa da MTV e frustrar os planos de dominação mundial de Nizan Guanaes

JENNY - Abre a boca.
JIMMY - Aaaaaaaahhhhhhhhhhhh...
(Jenny equilibra entre os lábios um pedaço de chocolate Kit Kat e se aproxima do rosto de Jimmy. Jimmy abocanha a outra extremidade do chocolate, e por um momento os dois se olham, e sorriem encabulados. Parecia mais fácil em "A Dama e o Vagabundo" - será que seria mais natural se fosse com espaguete ao invés de chocolate? Jimmy tenta se aproximar mais, mas Jenny é mais rápida. Seus lábios se tocam. Um beijo que não é um beijo; com a língua Jenny tenta saborear ao máximo o pequeno pedaço de Kit Kat que propositadamente deixou com Jimmy. Seus lábios se separam)
JIMMY - Você sempre faz isso.
(Jenny dá um olhar vitorioso)
JENNY - E aí? Vai fazer alguma coisa?
JIMMY - Tudo o que você quiser.
(Jenny se esparrama sobre os lençóis da cama e olha para Jimmy. Ela está usando uma camisola branca; ele, por algum motivo, usa um jaleco branco sobre uma camiseta e shorts. "De mau gosto mesmo seria se ele estivesse de meias", pensou)
JENNY - No que é que você está pensando?
(Jimmy passa vários instantes em silêncio, olhando para Jenny, com uma expressão fixa no rosto)
JENNY - ...não era isso. Deixa eu me lembr-- ah tá. No que é que você está pensando agora?
JIMMY - Todos esses anos eu estava perdido em uma obsessão com meu trabalho, sem pensar em outra coisa. Eu estava obcecado, eu diria. Mas agora eu percebi que algo estava faltando, algo que estava ao meu lado o tempo todo, algo que quase perdi devido à minha obsessão, só pensando em meu trabalho. Pois agora percebo que estava apenas obcecado.
JENNY - Talvez eu tenha que rever a gramática um pouquinho.
TIMMY - Jenny?
(Jenny ruboriza intensamente. Por algumas frações de segundo permanece completamente imóvel, como se tivesse esquecido de como mover os próprios braços, mas então se lembra de alcançar um pequeno botão localizado atrás de sua orelha direita. O mundo ao seu redor estremece; a cama, os lençóis, Jimmy, tudo desaparece, como se alguém tivesse apertado o botão de desligar da TV. Só que o que Jenny desligou não foi uma TV, apenas o capacete branco e redondo que nas últimas duas horas cobria seus olhos e boa parte de seu rosto. Através do visor desligado ela vê Timmy, de pé, próximo à porta de seu escritório)
JENNY - Timmy! Eu estava... estudando.
TIMMY - Você passa tempo demais no iHead.
(Envergonhada demais até para fazer o mais sutil dos movimentos, Jenny passa todo o restante da conversa parecendo um estranho alienígena cabeçudo com um visor metálico)
JENNY - Já... já... teve notícias de Valdeci?
TIMMY - É sobre isso que precisamos conversar. Eu estou quase desistindo de usar o Valdeci na Fase 3. Do jeito que o cronograma está atrasado acho que vai ser a melhor opção a longo prazo.
JENNY - Certo...
TIMMY - Já fez a análise dos números F30201 a F30300?
(Jenny não se lembrava da última conversa entre eles que não envolvesse suas obrigações na Experiência)
JENNY - Objetos de Estudo Alfa e Beta continuam exibindo as alterações de consciência periódicas durante o MTV Lab. Objeto Gama apresenta contrações abdominais rítmicas, média de 8 episódios de vômito por dia e comportamento auto-mutilador durante o Pimp my Ride.
TIMMY - OK. Se quiser mande o relatório por e-mail.
(Jenny Não quis dizer a Timmy que não fazia sua parte na análise dos dados há várias semanas, e que tinha acabado de inventar aquelas informações. Sabia, porém, que o que quer que tivesse acontecido com as crianças Tommy, Penny e Edilamar naquela semana não deveria ter sido muito diferente do que vinham observando nos últimos meses)